OPINIÃO

 




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Idosos sob fogo
 

Maria de Lourdes de Souza, 67 anos, e seu marido, 69 anos, estavam em casa, em São Gonçalo, comemorando o Réveillon em família quando foram vítimas de balas perdidas. Eles fazem parte de uma estatística tão cruel quanto silenciosa, já que dados sobre violência armada ainda são escassos e pouco divulgados. Esquecidos por dados governamentais e sem receber atenção midiática, um indicador tem nos chamado atenção: o aumento de idosos baleados no Grande Rio.

Em menos de dois meses, considerando até 27 de fevereiro de 2025, o Instituto Fogo Cruzado registrou 12 idosos baleados no Grande Rio, dos quais três morreram e nove ficaram feridos. Comparado ao mesmo período de 2024, quando cinco idosos foram atingidos, o aumento é de 140%. Somando as regiões metropolitanas do Rio de Janeiro, Recife, Salvador e Belém, temos registrados 22 idosos baleados este ano. Entre eles, 10 morreram e 12 ficaram feridos.

A situação se torna ainda mais grave quando analisamos as circunstâncias. Geraldo Carlos Barbosa dos Reis, 67 anos, foi baleado no dia 24 de janeiro durante uma megaoperação no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio. Ele foi vítima de bala perdida, chegou a ser socorrido, mas não resistiu aos ferimentos e morreu. Nessa mesma operação policial, outros dois idosos também foram baleados. Um homem de 65 anos morreu, e uma senhora de 61 anos, que estava no sofá de casa, ficou ferida.

Eles não são exceções. Dos 12 idosos baleados este ano no Grande Rio em 2025, sete foram vítimas de balas perdidas e quatro foram atingidos dentro de residências. Um local que deveria representar segurança se transforma em cenário de violência para aqueles que, muitas vezes, já possuem mobilidade reduzida e menor capacidade de proteção em situações de confronto.

Os dados não são preocupantes apenas no Grande Rio. Jadson Ferreira de Lima, de 69 anos, jogava dominó na porta de casa, em São Lourenço da Mata, no Grande Recife, quando foi atingido por tiros. Ele era cozinheiro aposentado e morreu na hora. Ele é um dos seteidosos vítimas da violência armada, nesses primeiros dias de 2025 em Recife e região metropolitana. Em Salvador e região metropolitana já foram registrados duas vítimas dessa faixa etária, enquanto na região metropolitana de Belém mapeamos uma vítima.

O Instituto Fogo Cruzado é a principal fonte de dados sobre idosos atingidos por armas de fogo nas regiões metropolitanas que monitora. Isso revela uma grave lacuna: as políticas públicas de segurança ignoram o impacto específico da violência armada sobre a população idosa, que possui necessidades e vulnerabilidades distintas.

O último caso de idoso baleado mapeado pelo Fogo Cruzado aconteceu no último dia 21. A vítima foi um homem de 80 anos, morador de São Paulo que estava no Rio de Janeiro a passeio. Ele foi atingido ao entrar por engano no Complexo de Israel, na Zona Norte do Rio, seguindo orientações de GPS.

Uma sociedade que não consegue garantir o direito à vida e à segurança de seus idosos falha em um de seus compromissos mais fundamentais. As vidas perdidas ou marcadas pela violência não voltam. 

Um abraço,

Iris Rosa
Pesquisadoraa do Instituto Fogo Cruzado

    


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Os dados não falam sozinhos

A violência armada e a ausência de políticas públicas eficientes no Brasil na área de segurança pública são problemas complexos, com múltiplas dimensões. Uma dessas dimensões passa pelos dados de segurança. Ainda lidamos com pouca transparência com os dados públicos. Falta acesso livre a esses dados e por conta desse cenário a população é pouco informada sobre o que de fato acontece nas cidades.


Dados recentes da Bahia ilustram bem o desafio que precisamos enfrentar.

O governo da Bahia apresentou em maio dados que apontam a redução das mortes violentas e dos chamados crimes letais intencionais — aqui entram tipificações como homicídios dolosos, feminicídios, lesões corporais seguidas de morte e latrocínios. Era uma reunião do programa Bahia Pela Paz e dois números ganharam destaque no material divulgado em seguida: a queda, segundo o governo, de 10% nos crimes letais intencionais na comparação com 2024, e a queda de 9,2% nas mortes violentas, também na comparação com o ano passado.

Em agendas, o governador Jerônimo Rodrigues (PT) tem celebrado o que entende como “redução da criminalidade”, usando como base parte dos números gerados por sua gestão.

Faz parte da política balançar o copo d’água para que o observador possa vê-lo meio cheio – caso o dono do copo seja governo –, ou meio vazio – caso seja oposição. Mas na vida real, fatos são fatos: aumento de casos de gripe gera reforço na campanha de vacinação. Na economia agrícola, dificuldades na safra encarecem o preço ao consumidor.

Na segurança pública deveria ser assim: precisão na produção de dados e transparência na divulgação deles.

Dá para dizer assim de pronto que a criminalidade caiu na Bahia? Depende. No mesmo estado em que, segundo o governo, houve queda nas mortes violentas, os dados do Fogo Cruzado mostram que ao menos 34 adolescentes foram baleados em Salvador e região metropolitana em 2025. Isso é 42% a mais do que o mesmo período do ano passado. Maio, o mesmo mês daquela reunião do governo, teve 10 adolescentes baleados. É o maior número de adolescentes baleados em um único mês desde que o Fogo Cruzado chegou à Bahia, em julho de 2022.

Esses dados surgem dentro do contexto de um cenário de mudança no perfil da violência; neste ano foram muito mais baleados em ações policiais e disputas entre facções.

Não foi nem de 24 horas a distância entre uma entrevista de Jerônimo destacando redução de homicídios e a morte de uma adolescente de 15 anos no momento em que havia uma ação policial no bairro Nova Brasília de Valéria, em Salvador.

Trabalhar a redução da violência em grandes regiões metropolitanas do país é tarefa árdua, caminho longo. Por isso, soa equivocado celebrar índices isolados quando a violência segue batendo às portas.


Tailane Muniz
Coordenadora regional do Instituto Fogo Cruzado na Bahia

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O que mostram os dados do semestre?

Olá,

foi lançado hoje o novo relatório semestral do Instituto Fogo Cruzado, com dados de violência armada de 57 municípios, das regiões metropolitanas de Rio de Janeiro, Recife, Salvador e Belém. Os indicadores apontam tendências importantes que precisam ser consideradas para o planejamento das políticas públicas de segurança no país. O ano de 2025 já está marcado por um aumento nas disputas entre grupos armados e também pela violência contra crianças e adolescentes.

O jovem Guilherme César Sales de Queiroz, 18 anos, e o adolescente Ronildo Fábio da Silva Ribeiro,15 anos, foram mortos a tiros, na noite do dia 29 de junho, em Olinda, no Grande Recife. Os dois estavam acompanhados de amigos quando homens chegaram atirando. No mesmo dia, no Alto do Cabrito, em Salvador, na Bahia, aconteceu algo parecido. Alef Santos Alves e Alex Nepomuceno dos Santos, ambos de 19 anos, foram mortos a tiros. Eles também estavam com amigos num 'paredão' quando homens passaram de carro atirando contra centenas de pessoas. A dupla, que trabalhava no comércio da região, morreu na hora, e outras nove pessoas ficaram feridas.

As disputas se intensificaram em Pernambuco, na Bahia e fizeram vítimas na juventude. No Rio de Janeiro, não foi diferente. Em 5 de maio, no Complexo da Pedreira, na Zona Norte do Rio, Michel Oliveira Fortes foi morto durante um tiroteio entre homens de facções rivais. Cinco dias antes, o barbeiro Fábio Oliveira Fortes, de 25 anos, foi morto numa localidade conhecida como Terra Nostra, em Barros Filho. Ele foi atingido por uma bala perdida durante confronto entre grupos rivais, quando chegava ao trabalho. Michel e Flávio eram irmãos.

Se puxarmos esse fio, posso contar a história de 172 pessoas baleadas neste primeiro semestre de 2025 durante disputas. Vinte e uma vítimas eram crianças e adolescentes. Vinte pessoas foram vítimas de balas perdidas. O número de tiroteios em disputas cresceu 36% e o de baleados 23%. Se considerarmos apenas crianças e adolescentes o aumento é de 91%. 

Na região metropolitana do Rio de Janeiro, 154 tiroteios em disputas foram registrados no primeiro semestre, resultando em 47 mortos e 25 feridos. O aumento de 48% em relação ao mesmo período do ano anterior evidencia que a estratégia de enfrentamento baseada no confronto falha em conter a violência. As áreas que concentram mais confrontos no Rio de Janeiro estão em disputa desde 2024. Catiri, Complexo do Fubá, Morro dos Macacos e Complexo do Juramento concentram 57% dos tiroteios em confrontos entre grupos armados do Grande Rio. Há meses a população convive com tiroteios intensos entre facções e entre elas e as milícias.

No Grande Recife, foram registrados 18 tiroteios em disputas, com 16 mortos e 11 feridos, nos primeiros seis meses do ano. Ano passado, registramos somente um tiroteio em disputas no semestre. 

Na capital baiana e região metropolitana, a situação não é diferente. Foram 81 registros de tiroteios motivados por disputas pelo controle territorial. Embora o número de tiroteios seja igual ao do ano passado, o número de mortos foi de 35 para 45. Fica claro que a estratégia das forças de segurança, conhecidas por sua alta letalidade, não gera os resultados esperados. 

Apenas na região metropolitana de Belém, onde o Fogo Cruzado atua há menos tempo, não foram registrados tiroteios motivados por disputas territoriais no período. Mas isso não significa ausência de violência. Entre janeiro e junho a região registrou quase dois tiroteios por dia, totalizando 292 registros. Desses, 48% aconteceram durante ações ou operações policiais. Uma única comunidade quilombola foi palco de três desses confrontos, três pessoas foram baleadas no local. 

A violência armada não dá trégua e a ação dos grupos armados se complexifica ano a ano. Do outro lado, vemos quase que uma total ausência de políticas públicas e ideias que possam dar conta de uma realidade ao mesmo tempo cruel e intricada.

A recente Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Segurança Pública até gerou expectativas sobre mudanças estruturais no cenário nacional, mas a verdade é que não traz respostas para os desafios que os dados apontam. As disputas territoriais armadas não aparecem na proposta do governo federal que também não indica como pretende lidar com o tráfico de drogas e o sistema prisional — área relevante para encararmos o tema das facções.

Os dados estão disponíveis. As evidências são claras. A população paga o preço e aponta a segurança pública como sua principal preocupação. Por quanto tempo mais os governos federal e estaduais negarão esta realidade?

Você pode acessar os relatórios semestrais das quatro regiões metropolitanas no site do Fogo Cruzado.

Um abraço,

Terine Coelho
Gerente de pesquisa do Instituto Fogo Cruzado


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