EDUCAÇÃO
A A | ![]() Jovem Aprendiz: SENAI oferece mais de 53 mil vagas para estudantes no segundo semestre de 2025Déborah SouzaO SENAI está com mais de 53 mil vagas abertas para jovens aprendizes, em todo o Brasil, no segundo semestre de 2025. As oportunidades são gratuitas e abrangem diversas áreas industriais, como Logística, Análise de Dados, Construção Civil, Eletromecânica, Tecnologia da Informação, Têxtil e Vestuário. O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) está com 53.193 vagas abertas para jovens aprendizes, em todo o Brasil, no segundo semestre de 2025. As oportunidades, oferecidas de forma gratuita, abrangem diversas áreas industriais, como Logística, Análise de Dados, Construção Civil, Eletromecânica, Tecnologia da Informação, Têxtil e Vestuário. Os cursos têm foco na formação profissional aliada à experiência prática em empresas, permitindo que os jovens ingressem no mercado de trabalho com qualificação técnica.
“O SENAI sempre busca oferecer os seus cursos alinhados à demanda do setor produtivo e na aprendizagem não é diferente. As indústrias buscam o SENAI para a oferta de cursos customizados à necessidade da indústria”, explica Felipe Morgado, superintendente de Educação Profissional e Superior da instituição.
A iniciativa acontece em um momento histórico para a aprendizagem profissional no Brasil. Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego, entre janeiro e maio de 2025, foram contratados mais de 664 mil jovens aprendizes, o maior número registrado desde a última atualização na legislação em 2000. O SENAI contribuiu com esse avanço, com mais de 192 mil matrículas na aprendizagem industrial no período.
Para Morgado, o modelo da aprendizagem é “o estado da arte da educação profissional”, já que une formação técnica e vivência prática na indústria. “Além de estudar, ele [o aluno] está sendo remunerado para estudar e para trabalhar. Isso o ajuda a ter uma profissão, adquirir uma experiência e se destacar depois da conclusão do programa de aprendizagem”, afirma.
Desde o início da formação, os alunos têm acesso a metodologias modernas de ensino, com aulas realizadas em ambientes simulados e laboratórios de ponta, além de plantas didáticas que espelham os processos reais da indústria. O modelo alia teoria e prática e permite que o jovem se desenvolva com foco no trabalho e na carreira.
Segundo o especialista, cerca de 90% dos jovens que concluem o programa são contratados, o que evidencia o impacto positivo da iniciativa. “A aprendizagem profissional é um acesso rápido ao mercado de trabalho industrial e também um desenvolvimento da sua carreira e do seu projeto de vida, uma vez que ele se forma e ao mesmo tempo está se formando, ele está trabalhando”, pontua.
Jovem Aprendiz: destaques regionais Alguns estados se destacam pelo número de vagas e pela diversidade de áreas de formação:
Outros estados também registram números expressivos de oportunidades: Santa Catarina (3.687 vagas), Minas Gerais (2.333), Rondônia (2.345) e Bahia (1.440).
Jovem Aprendiz: como participar As vagas são direcionadas a jovens entre 14 e 24 anos, conforme previsto na Lei da Aprendizagem Profissional. Para participar, os interessados devem procurar o SENAI de seus respectivos estados, onde poderão obter informações sobre os cursos, os critérios de seleção e o início das turmas.
A iniciativa reforça o compromisso do SENAI com a formação de mão de obra qualificada, estimulando o ingresso dos jovens no mercado de trabalho formal e contribuindo para o desenvolvimento da indústria brasileira.
“O programa de aprendizagem pode ajudar tanto as empresas, na sua estratégia de desenvolvimento de capital humano, quanto também ajudar o jovem, na escolha da sua profissão. Então, é uma ótima oportunidade, uma alternativa de sucesso e de futuro”, destaca Morgado.
Para mais informações e inscrições, acesse o site ou entre em contato com o SENAI do seu estado. | A A |
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A A | A universidade como alvo globalDesmonte, perseguição ou ambos. Nos EUA, Europa e América Latina, ela está ameaçado. A precarização do trabalho torna o diploma inútil. E o sistema vê a instituição como perigosa, por sua capacidade de dialogar com rebeldias Este artigo integra o volume 38 do Caderno CRH, parceiro editorial de Outras Palavras, organizado e editado pelo Centro de Estudos e Pesquisas e Humanidades (CRH/UFBA), em coedição com a Editora da Universidade Federal da Bahia (EDUFBA). Leia mais. A universidade pública é uma instituição que se tornou, nos últimos anos, espaço de intervenções violentas de toda ordem. Desde acusações de islamo-gauchismo em países como a França até intervenções brutais contra estudantes e professores em solidariedade com a causa palestina, principalmente nos Estados Unidos da América (EUA) e na Alemanha, o que vemos é a universidade pública como espaço de tensionamento social. No entanto, a lista é muito mais extensa. Em governos de extrema-direita, como o que vimos no Brasil e que vemos atualmente na Argentina, na Turquia, na Hungria e em Israel, forças estatais operam toda forma de desmonte de financiamento e de estigmatização social contra a universidade pública, isso quando não se trata de criminalização direta contra professores e estudantes. A sensibilidade aguda que a extrema-direita tem em relação as universidades, centros de pesquisas e formação mostra, a contrapelo, como a tese da obsolescência da universidade era simplesmente falsa (Salles, 2020). Pois a extrema-direita não se engana a respeito da articulação profunda entre universidade, movimentos sociais e opinião pública. Por mais que a universidade pública tenha suas contradições e seus núcleos reacionários, ela é ainda a instituição sociais mais aberta e porosa a articulações com movimentos sociais que conhecemos (Safatle, 2019). Mesmo produções intelectuais aparentemente distantes da esfera política cotidiana, como Jacques Derrida e sua desconstrução, tornaram-se anátemas da extrema-direita porque elas provaram ser capazes de mobiliar a imaginação social em questões sensíveis para a reprodução da ordem social, como a sexualidade, o território, a origem, entre tantas outras. O caso da mobilização universitária contra o genocídio palestino é outro exemplo que nos deve fazer pensar. Durante anos, a universidade conheceu toda forma de discurso pós-colonial, decolonial e contracolonial. Na maioria dos casos, esses discursos pareciam mais adaptados a comitês de diversidade de grandes empresas, a políticas estatais de colonial washing do que interessados em ressoar questões presentes em lutas anticoloniais efetivas, como as que vimos no Vietnã, na África e na América Latina. Ho chi min, Thomas Sankara ou mesmo Subcomandante Marcos não eram exatamente as figuras mais presentes nas preocupações de nossos intelectuais decoloniais. Há de se perguntar a razão para tanto. Mas eis que explode um verdadeiro genocídio colonial diante de nossos olhos, com os elementos clássicos de apagamento do luto, de dessensibilização, desumanização, indistinção entre civis e combatentes e destruição generalizada. O silêncio da grande maioria dos intelectuais ditos pós-coloniais contrasta com a compreensão lúcida e irredutível de massas de estudantes indignados, os únicos que realmente entenderam as verdadeiras consequências do que estavam a ouvir nos bancos universitários. Eles perceberam rapidamente que o genocídio palestino era a expressão clara de como as sociedades capitalistas continuavam coloniais, como elas procuravam agora impor novas formas de gestão sociais a partir da constituição de laboratórios globais de dessensibilização social que poderiam simplesmente ser exportados (Safatle, 2024). Contra a consolidação de tal consciência, a reação das administrações universitárias e do Estado foi imediata pois se tratava de impedir que as alianças reais entre intelectuais e setores vulneráveis das populações mundiais fossem constituídas. Pois tais alianças retiram dos gestores de símbolos integrados ao mercado crítico mundial o monopólio da decisão sobre o que merece nossa indignação e revolta. É para impedir processos dessa natureza que a universidade, ou o que restou dela, tornou-se um alvo global. Essa sua condição de alvo global já vem daquilo que poderíamos chamar de enquadre neoliberal da universidade pública nos últimos trinta anos. Isso significa não apenas fazer a universidade depender sua existência de forças econômicas, mas também agir como uma empresa. Ou seja, ela deverá não apenas ser atrativa para investidores, captar verbas, mas funcionar como uma empresa, abrindo filiais, avaliando seus professores como avaliamos CEOs, avaliando produção acadêmica como avaliamos produtos no mercado, competindo internacionalmente como se fôssemos empresas competindo pelo mercado acadêmico mundial. Há maneiras de governos autoritários calarem universidades. Conhecemos tensões dessa natureza no Brasil. Vimos durante o governo de Jair Bolsonaro aulas sendo invadidas por membros de extrema-direita, estrangulamento financeiro de universidades, ameaças a professores que desempenham funções públicas, entre tantas outras coisas. Mas há maneiras de governos ditos democráticos controlarem a universidade. Basta reconstruí-la a partir do modelo de uma empresa e tratar conhecimento como se fosse produto cujo valor é medido por meio de seu “impacto”. Permanecer com o problemaDiria que essa luta contra a universidade pública vinda do Estado e dos mercados nas últimas décadas, uma luta sem trégua, tem uma razão objetiva de ser vinculada ao fato da universidade não ter mais lugar no interior do processo de reprodução material da vida. Em uma dinâmica de produção de empregos na qual os estratos médios são constantemente eliminados a partir de processos de reengenharia contínua, na qual os empregos de nível salarial mais baixos são, ao mesmo tempo, precarizados e elevados em seus padrões de exigência de formação e na qual os estratos mais elevados são oligarquicamente garantidos (ou seja, eles são alcançados independente da formação dos seus ocupantes), é uma das maiores mistificações de nossa época insistir no binômio formação/empregabilidade. Para além de um conjunto de empregos de condições e salários cada vez mais deteriorados, a universidade não pode garantir ascensão social ou simplesmente sobrevivência econômica. Os processos de formação necessários para operar no interior de nosso sistema econômico são, em larga medida, limitados, pontuais e de rápida absorção (Rifkin, 2004; Graeber, 2022). Ou seja, eles poderiam ser feitos sem universidades, de forma menos onerosa, pelos centros de formação. Os setores fundamentais da economia mundial e os atores reais da economia nacional sabem que podem sobreviver sem universidades. Eles podem sobreviver com uma educação disciplinar, unidimensional e vinculada apenas à expectativa de valorização simbólica fornecida pela educação superior. Ou seja, a universidade não é mais necessária para a reprodução da ordem econômica vigente. A pequena camada responsável pela organização estratégica da economia e da gestão social pode ser formada em centros de excelência construídos para poucos em países centrais, coisa que a elite brasileira tem feito sistematicamente ao mandar seus filhos diretamente para estudar fora do país. Mesmo o desenvolvimento de pesquisas capazes de projetar cenários e permitir circular múltiplas perspectivas de interpretação em conflito perde o sentido em um modelo de inserção capitalista no qual as elites locais perderam suas ilusões de se constituírem como burguesias nacionais e aceitam melhor serem representantes de modelos de integração global cujos processos decisórios se dão muito longe daqui. Quando a extrema-direita ridiculariza a produção em massa de diplomas, de certa forma ela tem razão. O sistema econômico atual funciona sem eles. Nesse horizonte, a universidade parece perder seu lugar. No entanto, talvez seja o caso de acrescentar mais uma variável a tal quadro. Uma variável muitas vezes negligenciada e que é, no entanto, absolutamente central. Pois a perda de lugar da universidade ocorreu, principalmente, porque saiu de cena a crença na necessidade de modelos de gestão baseados na conciliação e integração de setores da população potencialmente desestabilizadores, como os trabalhadores pobres (geridos pelos sindicatos em relações solidamente estratégicas com o Estado), pequenos camponeses e a classe intelectual (alocada em universidades garantidas pelo Estado). O que nos leva à seguinte equação: a universidade perdeu seu lugar porque as sociedades ocidentais não operam mais no interior de processos de mediação de conflitos sociais. A universidade dizia respeito a um operador singular de mediação e controle de conflito social. Mas em um horizonte social no qual tal mediação dá lugar a uma aceleração das crises sem expectativa de coesão social, não há porquê preservar universidades. Sabemos que a história da universidade como instituição é uma história recente. Até o começo do século XIX seu lugar era, em larga medida, o de um mero centro de formação. Os principais pensadores e cientistas não eram professores universitários, não tinham cátedras. O debate intelectual e artístico ocorre, em larga medida, fora de seus muros. O modelo de Wilheim von Humboldt (representado pela fundação da Universidade de Berlim, em 1809) pode se impor nas sociedades ocidentais não apenas por prometer realizar expectativas de emancipação através de uma formação de cunho humanista, mas principalmente por saber se colocar como peça fundamental de constituição da adesão social e desenvolvimento técnico do recente Estado-nação. A universidade ocidental, cujo modelo foi criado por Alexandre von Humboldt no começo do século XIX, tinha uma função clara de formação de elites e, principalmente, de integração da classe intelectual à condição de funcionário público. Tratava-se de uma estratégia típica da lógica da Restauração, que visava eliminar os riscos de deriva revolucionária da classe intelectual, como se viu na Revolução Francesa. Não por outra razão, uma impressionante quantidade de intelectuais radicais verá as portas lhe serem fechadas no interior da universidade alemã do século XIX: Feuerbach, Bruno Bauer, Marx. Pois a integração terá sempre que lidar com certos limites que só poderão ser incorporado tempos depois, através de caminhos tortuosos. Ou seja, gostaria de insistir nesse ponto, nosso modelo universitário é fruto de uma reação. Ele foi a maneira que o Estado encontrou para paralisar a força revolucionária da aliança entre classe intelectual e camadas populares. Já Edmund Burke (2017) reclamava de como as ideias abstratas dos filósofos haviam chegado às massas e criado toda forma de violência política. Se voltarmos à história da universidade em países colonizados, veremos mais claramente a natureza do processo silenciador que a constitui. Por exemplo, a primeira universidade da América Latina (San Marco, Peru) data do século XVI. Ela se instaura no meio de uma guerra colonial contra um povo com largo conhecimento tecnológico e complexa cosmovisão, a saber, os Incas. Uma das funções da universidade foi impor um silenciamento cultural e epistêmico que irá perdurar, de certa forma, até hoje. No entanto, seria incorreto reduzir a universidade a esse horizonte de silenciamento e de cooptação. Sua cooptação será instável, ainda mais quando se tornar universidade de massa, integrando uma classe trabalhadora que tinha sua própria experiência de lutas sociais e formação. A integração de novas classes sociais à universidade é também abertura de circulação de experiências e saberes. Lembremos, por exemplo, como em 1900 o número de estudantes nas universidades francesas era de 29.000. Em 1950, será de 137.000, em 1968, 587.000 e 2.300.000 em 2001 [1]. Este reposicionamento da universidade no interior da vida política e social dava a ela uma nova importância. Pois um corpo discente de classes diversificadas traz novas questões, novas tradições de pensamento, novos problemas. Depois de maioEssa tensão mostrou-se particularmente dramática a partir de 1968. Há uma exacerbação da tensão universidade/estado a partir de maio de 1968 e, de certa forma, muito de nossa situação pode ser lida a partir deste pano de fundo. Pela primeira vez, de forma clara, as universidades se colocam como espaço de produção de revoltas contra os modos hegemônicos de reprodução material da vida. Ressalta-se como, durante certo tempo, o modelo do Estado do bem-estar social, gerado a partir do final da Segunda Guerra, com seu capitalismo de Estado, fora visto como uma espécie de modelo perfeito de gestão de conflitos sociais. Friedrich Pollock (1983), em um ensaio clássico, insistia na tese da passagem inexorável de um capitalismo privado para um capitalismo de alta regulação estatal, fosse ele totalitário (nazifascismo) ou democrático (socialdemocracia). Capitalismo no qual as decisões econômicas estariam submetidas à orientação política das deliberações de gestão e limitação da força de transformação dos conflitos de classe. Pollock chega a falar em uma substituição de problemas econômicos por problemas administrativos, criando um horizonte racional de gestão de conflitos sociais graças as promessas de integração da classe trabalhadora devido à consolidação de uma lógica da providência e da assistência social generalizada, que teria a capacidade de limitar os processos de espoliação econômica. Nesse horizonte, a função das universidades era garantir a ascensão social e fornecer um espaço regulado de liberdade de pensamento. Nesse sentido, maio de 1968 demonstrará a fragilidade dessa crença da possibilidade de regulação de conflitos no interior de um capitalismo de Estado. Pois ele mostrou como as formas de regulação da classe trabalhadora não foram capazes de impedir a consolidação de revoltas nos países centrais do capitalismo global. Revolta esta que visava o caráter disciplinar deste mesmo Estado-providência, outrora visto como o modelo perfeito de gestão social. Ou seja, as revoltas de maio de 68 e a força de sedição de seus conflitos mostraram os limites das promessas de integração dessa forma de capitalismo e de suas estratégias de providência. Os próximos modelos de gestão nas sociedades capitalistas, se quisessem ter eficácia real, deveriam operar de outra forma. Estava evidente a impotência do discurso de integração através da identificação com a figura do cidadão do Estado-nação comum. Seria necessário deslocar os processos de regulação social para uma outra cena. A demissão dos intelectuaisPara tanto, seria necessário paulatinamente neutralizar a universidade e sua classe de intelectuais, quebrar sua força de mobilização social e empurrá-los à obsolescência. Muito haveria a se dizer a respeito de tais processos que ocorreram principalmente a partir dos anos oitenta. Eles responderam a múltiplos ritmos e a dinâmicas específicas em vários países. Um país que tinha uma presença forte da classe intelectual na vida nacional, como o Brasil, não poderia seguir os mesmos processos que países de configuração social distinta. Esta análise, no entanto, ainda está por ser feita. Contudo, seria o caso de insistir aqui, e isso vale como uma crítica que é também uma autocrítica, que os processos não poderiam ocorrer sem a demissão da classe intelectual de sua função histórica de responsável pelo tensionamento de processos políticos. A classe intelectual contemporânea tende a esconder sua demissão política por meio da pretensa crítica a desejos de dirigismo e a crítica a uma política baseada na crença da força indutora de vanguardas letradas. Todos nós conhecemos as críticas feitas pelos próprios intelectuais a seu pretenso papel dirigista. Não há, porém, processo político sem um ato de nomeação do acontecimento – ato que exige a mobilização da capacidade da classe intelectual de criar ressonâncias espacio-temporais e, assim, redimensionar dinâmicas sociais. Uma nomeação não é simplesmente uma descrição, ainda mais quando estamos a falar de processos políticos populares. Ela é um ato performativo que redimensiona a capacidade de transformação dos agentes. A demissão política dos intelectuais foi o resultado da convergência de três fatores. Primeiro, vivemos em um movimento global de bloqueio das relações entre universidade e sociedade civil. Isso se deve a uma forma de gestão social que promete aos intelectuais a ascensão ao posto de consumidores de serviços globais, graças à internacionalização das universidades e à submissão delas a processos de avaliação cujos métodos são tão opacos quanto dignos do Pai Ubu. Todos nós sabemos bem como os processos de avaliação são indefensáveis não porque não devamos ser avaliados, mas porque eles não medem nada de maneira precisa. Como esperar avaliação racional se submetemos aos mesmos critérios universidades de massa, com mais de 100.000 alunos, e universidades de formação de elite, com não mais do que 10.000 alunos? O que significa realmente medir impacto por meio de incidências de citações? O que dizer de sistemas de avaliação de publicações que não levam em conta livros? Como medir a influência de uma universidade no interior da vida nacional? Ou qual o sentido em esperar níveis de circulação de estudantes estrangeiros da ordem de 25% em países que ainda precisam encontrar formas de integrar largas camadas de sua população ao sistema educacional superior? No entanto, a submissão a tais sistemas opacos de avaliação levou as universidades a se transformarem, no melhor dos casos, em guetos de luxo: um misto de agências de viagens para colóquios internacionais e consumo de produtos culturais globais com espaço para a produção especializada de um saber cujos resultados, muitas vezes, não são sequer publicados na língua local de seus países, já que a transformação do inglês em língua franca implica retornar a uma situação medieval na qual a classe intelectual não pode mais ser lida pela população nacional da qual ela faz parte, um pouco como na Idade Média e seus pensadores que escreviam em latim. Com isso, os intelectuais foram, cada vez mais, perdendo relevância como referências para a reflexão da sociedade sobre si mesma. Quando as universidades não se submetiam diretamente a estes modelos, elas sentiam o risco de serem jogadas à invisibilidade e irrelevância. O Brasil, que conheceu no passado gerações de intelectuais públicos de forte capacidade de influência no interior da vida social, viu seus professores universitários, em larga medida, se demitirem dessa função, como se sustentá-la fosse expressão de alguma forma de ausência de rigor e diversionismo em relação às atividades acadêmicas pretensamente reais. Melhor teria sido se a classe intelectual tivesse sustentado o tripé político que a ela compete, a saber, trabalho de base com setores desfavorecidos e vulneráveis, luta pela conquista da opinião pública a partir da ocupação da imprensa e articulação internacional em redes de pesquisa, tendo em vista a análise de processos político-sociais globais. No entanto, se estes são fatores que podem ser encontrados em praticamente todos os países com classe intelectual relevante, há um fator eminentemente local que merece nossa avaliação. Ele se refere à relação profunda entre classe intelectual e gestão do Estado brasileiro. A Nova República serviu-se da classe intelectual como um dos setores mais importantes para o fornecimento de seus quadros de gestão. O Brasil viu, nos últimos vinte anos, uma impressionante quantidade de intelectuais se transformar em presidentes da República, prefeitos, ministros e secretários de Estado. Normalmente, eram intelectuais que se serviam do discurso do é necessário fazer alguma coisa, temos uma responsabilidade para com o país. Entretanto, isso nunca significou entrar no Estado para implodir por dentro sua estrutura arcaica. Na verdade, tratava-se de fornecer ao Estado um melhor discurso de justificação de seus arcaísmos, além de produzir ajustes em seu funcionamento, quando não acabávamos vendo estratégias de garantia de benesses de consultorias e assessorias. Os intelectuais não transformaram o Estado brasileiro, eles se integraram a ele. A limpeza finalEsse artigo começou afirmando que a universidade pública havia se tornado um alvo global. Por que isso ocorreria se sua classe intelectual não oferecia mais nenhuma séria ameaça de sedição e desestabilização social? Gostaria de defender a tese de que vivemos em uma era de contrarrevolução preventiva, como disse uma vez Florestan Fernandes a respeito da história brasileira. Isso significa que, diante de uma situação de crise conexa e de possibilidade de desidentificação generalizada com instâncias de reprodução material da vida social, toda e qualquer possibilidade de questionamento com força de mobilização social deve ser paralisado em seu nascedouro. A cooptação das universidades e a capitulação da classe intelectual nunca foi um processo completo e sem falhas. Maio de 1968 serve como prova nesse sentido. Afinal, tanto tradições revolucionárias quanto a emergência de novos agentes tensionam a possibilidade de produção do campo intelectual. A forma com que classes discentes recuperam saberes e aplicam a situações presentes também não pode ser completamente controlada. Se há algo que a experiência histórica mostrou é que a integração das classes intelectuais nunca foi um processo sem possibilidade de produção de efeitos inesperados ou de retomada das dinâmicas de revolta. Nesse sentido, a tendência é que, cada vez menos, brechas sejam permitidas e que a adaptação da universidade a padrões de esvaziamento crônico de funções e de paradoxal sobretrabalho feito por avaliações que nada avaliam tendem a proliferar. Como disse inicialmente, a universidade não tem mais função social na reprodução das exigências do estágio atual do capitalismo, e sequer a necessidade de mediação de conflitos sociais é visto como algo com o qual os estados devam efetivamente lidar. O que indica a consciência que devemos ter de nossa fragilidade e da urgência de nossas lutas. | A A |
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A A | Universidades públicas em tempos neoliberaisPesquisadores investigam, em dossiê, os desafios do Ensino Superior no país. Os riscos de desmonte, sob “ajuste fiscal”. Os perigos de ruptura do papel filosófico e cultural. O impacto dos imperativos produtivistas. E as resistências que emergem Esta é a introdução do volume 38 do Caderno CRH, parceiro editorial de Outras Palavras, organizado e editado pelo Centro de Estudos e Pesquisas e Humanidades (CRH/UFBA), em coedição com a Editora da Universidade Federal da Bahia (EDUFBA). As universidades públicas têm uma dinâmica singular. Seu modelo, suas mazelas e mesmo seus sonhos não podem ser compreendidos com independência do contexto em que se instalam nem das tarefas que lhes atribuímos. Vivem, assim, o infortúnio das políticas neoliberais como uma tragédia única, sendo infelizes à sua maneira, a um só tempo mitigada em certos aspectos e agravada intensamente em outros. Para quem vê as universidades como um instrumento provisório, desvinculado de um projeto de nação, talvez não haja sequer uma crise, mas sim um novo cenário de oportunidades. Porém, para quem a compreende como intrinsecamente vinculada à superação de múltiplas desigualdades, como um modelo com valor intrínseco que, por conseguinte, só pode ter como horizonte uma nação radicalmente democrática, a crise é deveras profunda. Entre a resistência que a universidade pode apresentar e a destruição aparentemente inelutável que a ameaça, desenha-se o espaço de uma reflexão urgente e cuidadosa sobre os desafios atuais colocados às universidades públicas e aqueles de longa duração, desde o imediato dos números à derrisão dos valores. O presente dossiê é parte desse esforço de reflexão e de resistência. A tragédia é, decerto, um tanto mitigada por ser a universidade um lugar natural de resistência e reflexão. A seu passado e presente de lutas, agrega-se o fato de que, em nosso país, a universidade pública concentra quase toda pesquisa e oferece os melhores centros de formação. Logo, como lugar de produção do conhecimento, é também espaço de crítica, com grande capacidade de fazer repercutir posições e propagar sua luta. Com efeito, nos momentos em que sofreu maior ataque, grandes atos foram promovidos e, por sua própria natureza, constituiu-se em contraexemplo ao obscurantismo (Salles, 2020). Por outro lado, é agravada sua tragédia, pois o ataque concertado à educação não está restrito a ações de governos protofascistas. Longe disso. O mais insidioso ataque tem sido uma retirada progressiva do oxigênio, uma mudança que vai operando como um ajuste de camadas tectônicas, para o qual contribui em muito a cumplicidade interna de muitos sujeitos de sua própria comunidade, que se veem seduzidos ou estimulados por valores próprios da dinâmica neoliberal. Com isso, o projeto mesmo da universidade, que bem deveria alinhar-se com projetos de longa duração, vê-se rebaixado e amesquinhado por propósitos utilitaristas e práticas que reproduzem a heteronomia cultural em diversas dimensões. O resultado é trágico, à semelhança de um talento suspenso, uma vocação negada, uma promessa reiterada e, todavia, nunca cumprida. A universidade atual não está imune a uma nova ordem do capital que engendra novas dimensões da geoeconomia do conhecimento, assim como não escapam nossos governantes da sina de traçarem os rumos, de fazerem escolhas, em meio a circunstâncias históricas específicas. Da mesma forma, a universidade necessária, não sendo uma palavra de ordem vazia, precisa traduzir-se em um novo contexto, cobrando-nos uma reflexão mais cuidadosa e fina. O dossiê apresenta uma reflexão teórica que percorre várias dimensões das transformações das universidades e da produção do conhecimento no capitalismo contemporâneo – marcado por um processo inédito de financeirização, pela reestruturação das relações de trabalho, mediadas pela atual revolução tecnológica, por perigosa crise socioambiental e pela hegemonia neoliberal. O dossiê abarca diferentes temas e objetos que se articulam na crítica ao neoliberalismo e em suas manifestações na produção do conhecimento crítico, cujo “lócus” principal está nas universidades. Para isso, reúne dez autores de universidades brasileiras e de uma universidade estrangeira, de várias áreas do conhecimento: filosofia, sociologia, educação e economia, constituindo uma contribuição multidisciplinar. É clara a confluência dos textos, bem como sua complementaridade. Suas análises tratam de valores mais amplos da academia, dos fenômenos da financeirização, do papel dos Estados nos países da periferia, das políticas de austeridade fiscal, da disputa pelo fundo público e do avanço da espoliação do capitalismo, inclusive pela utilização de tecnologias as mais avançadas. Conforma-se, assim, o quadro mais geral em que se situa o crescente processo de neoliberalização da educação em geral, da sua subordinação ao mercado e a seus valores, transformando o ensino e a pesquisa, e mostrando, ao fim e ao cabo, por que os governos neoliberais se confrontam com as universidades, enquanto espaços de manifestação e resistência (Laval, 2019). Por outro lado, os artigos têm objetos e recortes diferentes, desenvolvendo análises no plano teórico e de conjunturas históricas específicas, como o caso das universidades públicas brasileiras, contemplando a questão orçamentária, a precarização do trabalho, as lutas de resistências e as práticas sindicais. Testamos, pois, o próprio valor de uma colaboração interdisciplinar, uma vez que os autores reunidos são estudiosos de várias áreas do conhecimento, com trajetórias acadêmicas bem-marcadas em diversas instituições (UFBA, UFRJ, UFG, USP e Paris-Nanterre), sendo reconhecidos por sua experiência como docentes das universidades públicas e por sua produção científica. O texto de Olgária Matos, “Universidade e Eros”, é inspirador e necessário, desenhando como que um pano de fundo a nossas reflexões. Afinal, não se pode discutir a dura realidade das universidades descolando-a de uma justificação sobre o sentido mesmo da produção científica e o da formação acadêmica, que deveriam encontrar na universidade sua realização mais refinada. Olgária Matos mostra, no entanto, que a universidade contemporânea se inscreve no desaparecimento do papel filosófico e existencial da cultura. Afinal, a Universidade humanista – fundada no ideário de formação intelectual através dos saberes científicos, filosóficos, históricos, geográficos e literários – cedeu há muito à indústria do entretenimento, cujo sintoma mais expressivo foi a substituição da Escola pela indústria dos Esportes. Com efeito, Filosofia e Ciência perderam na Universidade a autonomia de pesquisa e a pluralidade das investigações, sob os imperativos da produtividade, do controle pelos números e do fetiche da inovação permanente. Sob os auspícios da temporalidade acelerada das tecnologias e do mercado globalizado, a hegemonia da racionalidade técnica impacta todas as esferas da vida e a subjetividade, a Universidade vem sofrendo constantes processos de deslegitimação e desinstitucionalização, com a ruptura de sua história e dos laços de confiança e solidariedade transmitidos, antes, ao longo das gerações. Olgária Matos sugere, pois, ser urgente retornar às questões primeiras da Universidade Cultural, aos saberes clássicos e vernáculos, face à crise antigenealógica do mundo contemporâneo. Retornar a valores universalistas e bem mais generosos da universidade, aqueles constituídos das diferenças entre temporalidades, espaços e experiências, tornar-se-ia uma ação espiritual e política contra os agrupamentos isolacionistas, sendo uma tarefa mais que atual do pensamento. Tendo em conta uma dimensão mais ampla, de alcance mundial, o artigo de Luiz Filgueiras, “Mundialização Financeira e capitalismo periférico: nova forma de dependência e a reconfiguração do Estado”, tem como objetivo discutir as relações existentes entre os principais fenômenos que caracterizam mundialmente o capitalismo contemporâneo – o neoliberalismo, a reestruturação produtiva e a financeirização da acumulação de capital – que foram se delineando, e retroagindo mutuamente, ao longo de quase 50 anos. Embora presentes em todos os países, produtos de uma nova fase da mundialização do capital, eles se expressam de forma diferente (em grau, qualidade e consequências) em países centrais e periféricos. Por isso, mais especificamente, o artigo evidencia as suas particularidades nos países de capitalismo dependente, com a constituição, a partir da crise do “Desenvolvimentismo” nesses países (anos 1980), de um novo modo de dependência, no qual se destacam a reconfiguração do Estado e a transferência de excedentes, da periferia para o centro, na forma de novos tipos de rendas financeiras e de renda-conhecimento. O texto de Filgueiras analisa as especificidades no caso do Brasil, um dos principais países de capitalismo dependente, com o destaque para a crise do Padrão de Desenvolvimento de Substituição de Importação (anos 1980) e a sua transição para o Padrão Liberal-Periférico na década de 1990. Tomando a situação bem mais concreta e, de certo modo, bem mais perversa do orçamento das universidades federais, o texto de João Carlos Salles, Nelson Amaral e Weber Silva Júnior, “Universidades Federais Brasileiras: Autonomia Subtraída por Mecanismos de Financiamento?”, mostra e denuncia o progressivo descompromisso com o financiamento público da educação superior, apontando, em particular, como a manutenção do orçamento inscrito na Lei Orçamentária Anual (LOA) é insuficiente inclusive para vir a ser rodada a matriz ANDIFES (Andifes, 1994), sendo ademais grave, por desigual e desarticulador da gestão orgânica das universidades, a destinação de verbas por meio de emendas e termos de execução descentralizada. Não custa lembrar que a autonomia universitária é um princípio inscrito na Constituição Federal de 1988, sendo a garantia de financiamento das universidades inscrita na Lei de Diretrizes e Bases (LDB). O que se verifica, entretanto, ao longo dos 36 anos de vigência da Constituição de 1988 é a introdução de uma série de mecanismos associados ao financiamento que impedem a realização desse marco legal, entre os quais a implementação de mecanismos de austeridade, a presença progressiva de emendas e Transferência Eletrônica Disponível (TEDs) e o frequente recurso a contingenciamentos e bloqueios. O texto de Salles, Amaral e Silva Júnior tem, então, o objetivo de, em primeiro lugar, analisar o montante de recursos financeiros associados às UFs e que ficam disponíveis para um real exercício da autonomia universitária, examinando os montantes de recursos presentes nos diversos mecanismos estabelecidos que promovem uma subtração da autonomia universitária e, em seguida, simular um mecanismo de “financiamento permanente” dos recursos de custeio e capital para as UFs, tal como originariamente proposto pela Andifes em 2013. Não é por acaso que tamanha restrição orçamentária se verifica, como se fora resultante de uma diminuição absurda de seu valor perante a sociedade. Como bem mostra Vladimir Safatle, em “A Universidade como Alvo Global”, a universidade pública é uma instituição que se tornou nos últimos anos espaço de intervenções violentas de toda ordem. Desde acusações de islamo-guachismo em países como a França até intervenção em campi contra estudantes em solidariedade com a causa palestina nos EUA e Alemanha, o que vemos é a universidade pública como espaço de tensionamento social. Essas ações policiais e estatais visam redimensionar a universidade, cortando-a de sua dimensão crítica e alinhando-a ao horizonte hegemônico de gestão das crises sociais. Em seu artigo, Vladimir Safatle analisa as condições para que a universidade preserve sua capacidade crítica em meio ao horizonte de desmonte neoliberal. Concomitante a esse ataque externo, temos uma desintegração cabal de sua higidez institucional nos próprios mecanismos de precarização do trabalho, dos quais a universidade não foi poupada. O artigo de Graça Druck e Selma Silva, “A Precarização do Trabalho Docente nas Universidades Federais”, reflete exatamente sobre tal precarização do trabalho, partindo do pressuposto de que ela é uma das expressões de um processo mais geral de reestruturação do serviço público, decorrente da emergência e fortalecimento do Estado neoliberal. No caso do sistema educacional, essa reestruturação instituiu e promoveu o princípio da concorrência e o modelo empresa por meio da adoção de práticas de gestão baseadas em critérios de “eficiência”, produtividade e resultados mensuráveis, alterando profundamente a organização do trabalho nas instituições de ensino, particularmente nas universidades públicas brasileiras. O texto apresenta o debate conceitual sobre neoliberalismo e analisa as reformas do Estado brasileiro desde os anos 1990 até o período recente, discutindo a reestruturação do serviço público brasileiro nesse contexto e examina como a adoção do princípio da concorrência e do modelo empresarial alterou a organização do trabalho na universidade, num quadro de subfinanciamento público, acarretando a precarização do trabalho docente, expressa em um conjunto de indicadores típicos da “universidade operacional” (Chaui, 2001), em que o professor polivalente torna-se também um professor “business”, ou “um empresário de si mesmo” tão em moda em tempos neoliberais. No seu artigo “Universidade, Sindicato e Trabalho Docente: Descontinuidades 1960-2024”, Roberto Leher nos devolve a um campo de luta essencial à defesa da universidade. Em seu artigo, Leher mostra como a função social da universidade no capitalismo dependente resulta da correlação de forças advinda tanto das particularidades do padrão de acumulação do capital e das formas de heteronomia cultural, como das expectativas sociais de frações internas da comunidade universitária. Leher propugna que as universidades federais brasileiras experenciaram três contextos de mudanças acentuadas, caracterizadas como descontinuidades, entre 1960 e 2024. A efetivação do golpe empresarial-militar, por meio da contrarrevolução preventiva, impediu o movimento de reforma universitária que ganhava força entre 1960 e 1964 e instaurou o modelo da chamada modernização conservadora que alterou profundamente a universidade. No contexto de crise estrutural a que se refere Filgueiras, na segunda metade dos anos 1970, a criação da Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior logrou obstaculizar a fragmentação pretendida das universidades como centros de excelência e instituições de ensino, por meio da conquista da carreira nacional, da autonomia universitária e da gratuidade nos estabelecimentos oficiais na Constituição de 1988. Finalmente, as políticas de austeridade e de contenção orçamentária que se aprofundaram a partir de 2015 estão contribuindo para a presença direta do capital nas universidades, alterando sua função social. O autor conclui que as lutas não podem estar restritas ao setor de educação, pois sem obstar a austeridade e agir contra o encolhimento do público não mercantil, a nação perderá espaços vivos de criação de conhecimento original imprescindível para a superação dos grandes problemas dos povos. A investigação de Leher contempla até meados de 2024, ano em que importante greve nacional dos docentes exacerbou as contradições sobre a concepção atual e futura das universidades. Sistematiza questões como a quebra da solidariedade intergeracional e a subordinação do trabalho docente aos determinantes que produzem a heteronomia, a exemplo do projeto Future-se e afins, em que a incorporação do ethos do chamado capitalismo acadêmico recontextualizado pelo capitalismo dependente pode comprometer a função estratégica da universidade. Enfatiza a importância de núcleos críticos nas universidades capazes de protagonizar projetos autopropelidos de nação que assegurem o bem-viver dos povos e o enfrentamento dos grandes problemas da humanidade. No último texto do dossiê, temos um importantíssimo olhar externo à experiência geral da universidade, na voz do consagrado intelectual francês, Christian Laval. Em seu texto “A Transformação Neoliberal da Universidade e suas relações com a Episteme Capitalista”, Laval mostra como se torna cada vez mais evidente e bem conhecida a lógica mercadológica das universidades públicas e da educação em geral. Essa transformação neoliberal do ensino superior passa essencialmente pela concorrência entre estabelecimentos públicos e privados, mas também entre os estabelecimentos públicos. Ela opera em todos os níveis, regional, nacional e internacional. Tem múltiplos efeitos, nomeadamente na “governança” das universidades e até no comportamento de estudantes e professores. Esta transformação é global, diz respeito a estruturas, modos de regulação e práticas. Por muito tempo, isso foi pouco compreendido teoricamente, porque realizado através de reformas e mutações parciais, como resposta a um paradigma coerente, que só pode ser apreendido reconstruindo a sua gênese e a sua coerência. O artigo de Laval busca definir e ex-por as principais articulações da episteme capitalista, isto é, a concepção original do conhecimento e da verdade que acompanha o desenvolvimento do capitalismo, desde o utilitarismo até a ideologia do cérebro-máquina, passando pelas teorias do conhecimento-informação e do capital humano, pois segundo o autor, sem compreender este paradigma, é difícil opor um paradigma alternativo que seja mais igualitário e que respeite mais os valores da verdade. Os artigos deste dossiê nos lançam a diversas dimensões. Eles nos situam no debate de valores e das implicações da técnica, dos efeitos de políticas orçamentárias e de ataques midiáticos, do contexto particular das políticas de austeridade do capitalismo neoliberal, da universidade brasileira às transformações mais amplas da academia em todo o mundo. Tomados, assim, em conjunto e em sua singularidade, os textos trazem contribuições importantes para a reflexão sobre a universidade e sua defesa em tempos neoliberais – tempos que se mostram bem sombrios, no que se refere a valores mais generosos da vida em comum, mesmo na aposta singular das universidades públicas, destinadas que são à longa duração, na qual apenas podem coincidir com o projeto de uma nação radicalmente democrática. | A A |
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