MEIO AMBIENTE

 








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    Terras raras: demanda brasileira deve crescer 6 vezes até 2034; saiba o que são

Janaína Michalskì

A crise comercial entre Brasil e Estados Unidos, em função das novas tarifas anunciadas pelo governo Trump às importações de produtos brasileiros, ganhou novos contornos. Em meio às tentativas de negociação por parte do governo brasileiro, os EUA demonstraram interesse nas reservas de Elementos Terras Raras (ETRs) presentes em solo brasileiro.

A crise comercial entre Brasil e Estados Unidos, em função das novas tarifas anunciadas pelo governo Trump às importações de produtos brasileiros, ganhou novos contornos. Em meio às tentativas de negociação por parte do governo brasileiro, os EUA demonstraram interesse nas reservas de Elementos Terras Raras (ETRs) presentes em solo brasileiro. 

Na quinta-feira (24), o encarregado de negócios dos EUA no Brasil, Gabriel Escobar, se reuniu com representantes do setor de mineração, incluindo empresários, agentes do governo e do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), para sugerir um plano entre os dois países para a exploração dos minerais.  

Além das reservas de ETRs, o Brasil tem abundância de nióbio, grafite, níquel, lítio, cobre e cobalto, também considerados estratégicos para os rumos da economia global. 

O que são os Elementos Terras Raras 

Apesar do nome, as terras raras são abundantes. A expressão está mais relacionada ao processo de extração e separação do que à escassez. 

Essenciais na fabricação de turbinas eólicas, motores de veículos elétricos e equipamentos eletrônicos, ETRs são um conjunto de 17 elementos químicos encontrados em baixas concentrações, que demandam um complexo processo de extração e separação até se tornarem ligas e ímãs permanentes – produto final mais utilizado pela indústria na transição energética.  

No caso das Terras Raras, a China detém cerca de 40% das reservas e 70% da produção, hegemonia conquistada a partir dos anos 2000, mas com investimentos que começaram há 40 anos. Quando se trata da fabricação de ímãs a partir de ETRs, especificamente, o monopólio asiático ultrapassa 90%.

O Brasil tem a segunda maior reserva (19%), mas apenas 0,02% da produção mundial: 80 toneladas das 350 mil produzidas em todo o mundo. Projeções da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) apontam que a demanda pelos ETRs no país deve crescer 6 vezes entre 2024 e 2034, saltando de cerca de 1 mil toneladas para mais de 6 mil.

“O mundo começou a olhar mais para esses elementos por questões geopolíticas, de garantia do fornecimento de matéria prima, e por causa da mobilidade elétrica e das energias renováveis. Com o Acordo de Paris, a eletrificação da frota e a energia eólica passaram a ser vistas como estratégias para redução das emissões”, explicou André Pimenta de Faria para a Agência de Notícias da Indústria. Faria coordena o laboratório-fábrica de ímãs de terras raras, que integra o Instituto SENAI de Inovação em Processamento Mineral, em Minas Gerais. 

Iniciativas brasileiras

Em operação no laboratório de Lagoa Santa (MG), a maior planta-piloto de produção de ímãs permanentes da América do Sul tem potencial para produzir 100 toneladas por ano. A fábrica vai processar a liga de neodímio  – um dos elementos terras raras –, ferro e boro para produção dos ímãs. 

O Instituto SENAI e outras seis instituições de pesquisa e tecnologia se juntaram a 28 empresas para implementar o ciclo completo de produção nacional, da extração e refino dos elementos até a produção final e reciclagem de ímãs. 

O MagBras foi um dos três projetos aprovados na última chamada de Projetos Estruturantes do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) com a Fundação de Apoio da Universidade Federal de Minas Gerais (Fundep), no escopo do Programa Mover. O investimento é de R$ 73,3 milhões, sendo R$ 60 milhões do Mover e R$ 13,3 milhões de contrapartida das empresas.  

Das 28 empresas, participam startups e companhias de diferentes setores, incluindo WEG, Stellantis, Iveco Group, Vale, Mosaic e Schulz; além do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT); o Centro de Tecnologia Mineral (Cetem); a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); e os Institutos SENAI de Inovação em Processamento Mineral (MG), Processamento a Laser (SC), Sistemas de Manufatura (SC) e Manufatura Avançada (SP). Reunir diferentes atores da cadeia e instituições de pesquisa referência na área é considerado um grande diferencial do projeto. 

Além da concorrência com outros países que dominam a tecnologia e os investimentos, André Pimenta de Faria destacou a contratação de profissionais como um dos maiores desafios. O conhecimento ainda está concentrado na academia, com mestres e doutores, e são necessários especialistas e técnicos para trabalhar na operação na planta.

Como ímãs de terras raras impulsionam a transição energética

Segundo José Luciano de Assis, gerente de Tecnologia e Inovação do CIT-SENAI, os ímãs de terras raras são importantes produtos na transição energética pelo forte poder de magnetismo. São ímãs especiais que compõem motores elétricos, aerogeradores para a energia eólica e outros componentes eletrônicos, como, por exemplo, sensores, microchips e placas eletrônicas. Isso explica o motivo de integrarem a cadeia de descarbonização. 

“Os ímãs são parte importante de um motor elétrico. Um motor elétrico está dentro de um carro elétrico ou de algum equipamento estacionário que gera energia a partir de motores elétricos. Então, por exemplo, um carro elétrico hoje tem de 30, 50 quilos de ímãs permanentes de terras raras na sua composição. É importante as pessoas entenderem que esse imã tem propriedades muito mais poderosas, diferente daquele ímã de geladeira”, explica José Luciano.

De acordo com o gerente de TI, como primeiro produtor de ímãs permanentes no Hemisfério Sul, o MagBras tem potencial amplo e global. 

“A gente tem condição de mostrar para o mundo que somos capazes de produzir um elemento e um produto importante para o processo de transição energética. Isso vai abrir um leque de política industrial, de negociações de outras naturezas que não técnicas para oportunidades de negócio no Brasil. Você imagine no futuro nós termos investidores industriais produzindo aqui no Brasil esses ímãs e vendendo para o mundo inteiro?”, diz o gerente.
  

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Veta, Lula! O PL da Devastação ameaça o Brasil

    Projeto agravará tragédia climática que país já vive. Temperaturas disparam, especialmente em áreas desmatadas. Na Amazônia, secas e inundações alternam-se. Biodiversidade declina. Radiografia de um fenômeno negligenciado pela mídia

“A América do Sul está se tornando mais quente, mais seca e mais inflamável”.i Temperaturas de até 44,8 oC,ii ondas de calor mais longas, mais intensas e mais frequentes,iii alternância de secas e dilúvios sem precedentes, centenas de milhares de km2 de incêndios florestais criminosos, riscos agrícolas crescentes, poluição atmosférica, intoxicação por agrotóxicos (entre outros vetores de poluição). Milhares de mortes prematuras. Eis o despenhadeiro de calamidades da sociedade brasileira. Diante delas, a aprovação do PL da Devastação (Projeto de Lei 2159/21) generaliza a licença para matar. Dominado por 303 deputados e 50 senadores da Frente Parlamentar da Agropecuária, nosso Congresso abrevia, com mais essa lei nefasta, a data de validade de nossa sociedade. Neste artigo, analiso o ecocídio e a inviabilização do Brasil apenas pelo fator aquecimento.


1. Aquecimento nacional e disparidades regionais

Em fevereiro de 2025, Quaraí, no extremo sul do país, bateu em 43,8 oC e o Rio de Janeiro bateu em 44 oC, a mais alta temperatura registrada pelo Sistema Alerta Rio. No Protocolo de Enfrentamento ao Calor Extremo, esse Nível de Calor 4 (numa escala de 1 a 5) “está associado a um aumento de 50% na mortalidade por doenças como hipertensão, diabetes e insuficiência renal entre idosos”.iv Até 18 de fevereiro, o calor já havia levado mais de 5 mil cariocas a buscar atendimento médico em unidades do Sistema Único de Saúde (SUS).v E isso é apenas o começo. A Figura 1 mostra a evolução do aquecimento médio no país desde 1961.

Figura 1 – Anomalia de Temperatura Média do Ar no Brasil por ano desde 1961 em relação à média histórica de 1991 – 2020 (o nível zero desse gráfico). Fonte: “Ano de 2024 é o mais quente no Brasil desde 1961”. Inmet, 2 jan. 2025

Entre 1961 e 1997, todos os anos foram mais frios do que a média de 1991-2020. Mas a partir de 2012, com exceção de 2022, todos os anos foram mais quentes do que essa média, sendo que quatro anos no último decênio (2015 – 2024) foram mais de 0,5 oC mais quentes do que a média desse período de 30 anos. A média de temperatura nacional no período 1998-2024 foi 24,23 oC. A Figura 2 mostra a evolução do aquecimento no Brasil desde 1998.

Figura 2 – Temperaturas médias anuais desde 1998 e média histórica (1991-2020) no Brasil. Fonte: “Ano de 2024 é o mais quente no Brasil desde 1961”. Inmet, 2 jan. 2025.

Os anos 1998 – 2024 registraram um aquecimento brutal no Brasil. Na média, o ano de 2024 foi 0,79oC mais quente do que a média dos anos 1991-2020. Setembro de 2024, o mês mais quente em 63 anos, teve um desvio de 1,7oC acima da média histórica dos meses de setembro (1991-2020).vi Esse aquecimento médio nacional foi maior no Centro-Oeste e no sul da Amazônia, não por acaso as regiões mais devastadas pelo agronegócio. Em 2023 (média anual), partes do Mato Grosso e do sul do Pará estavam pelo menos 2oC mais quentes do que a média da temperatura do período 1991 – 2020. Além disso, partes dos estados do Amazonas, Pará, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul estavam entre 1,5oC e 2oC mais quentes do que a média desse período climatológico de referência. Repita-se: esses são os estados onde a vegetação nativa foi mais destruída pela soja e pela pecuária bovina. Dez capitais do Brasil sofreram um aquecimento entre 1oC e mais de 3 oC no inverno de 2023 em relação ao período 2001-2010, com ênfase em Cuiabá (+3,4 oC) e Campo Grande (+2oC). Em Manaus, o inverno de 2023 teve uma temperatura média de 30,1 oC, quase 2oC mais quente do que o registrado na primeira década deste século.vii

2. Desastres ambientais e chicotadas hidroclimáticas


Falamos acima no despenhadeiro de calamidades que assola o Brasil. Eis essas calamidades em números, desde 1990:viii

“O Brasil teve 64.280 desastres climáticos desde 1990, e há aumento, em média, de 100 registros por ano. Nos primeiros dez anos monitorados, foram 725 registros por ano. De 2000 a 2009, 1.892 registros anuais; de 2010 a 2019, 2.254 registros anuais e, nos últimos quatro anos (2020 a 2023), já são 4.077 registros por ano”.

O levantamento acrescenta que “os desastres climáticos no Brasil aumentaram 250% nos últimos quatro anos (2020–2023), em comparação com os registros da década de 1990”. Baseado em dados da Confederação Nacional de Municípios (CNM) de 2023, relativos aos anos 2013-2022, o relatório “Mudança do Clima no Brasil” (MCTI 2024) afirma:

“93% das cidades brasileiras (mais de cinco mil municípios) foram atingidas por algum desastre hidrometeorológico que culminou com o registro de emergências ou estado de calamidade pública, em decorrência de tempestades, enxurradas, inundações urbanas e/ou deslizamentos de terra. Ainda segundo a CNM, de 2013 a 2022, mais de 2,2 milhões de casas foram danificadas em todo o país devido a esses acontecimentos, afetando diretamente mais de 4,2 milhões de pessoas, que tiveram de abandonar as suas casas em 2.640 municípios de todo o país”.

Entre 2013 e maio de 2024, 94% dos municípios brasileiros haviam decretado estado de emergência ou calamidade pública. Entre 2013 e 2023, os eventos meteorológicos extremos mataram 2.667 pessoas e causaram ao país prejuízos de R$ 639,4 bilhões.ix Entre 2022 e 9 de maio de 2024, 2.709 municípios brasileiros tiveram decretos de emergência ou calamidade pública reconhecidos pelo governo federal.x Em julho de 2024, dos 5.565 municípios do Brasil, 3.587 enfrentavam graus variados de seca, dos quais 1.025 municípios com secas graves e 70 com secas extremas, sobretudo no estado de São Paulo.xi

O Brasil está sendo particularmente açoitado pelas chamadas “chicotadas hidroclimáticas”, ou seja, pelo movimento pendular cada vez mais extremo entre secas e enchentes.xii Sobre as secas, em 2024, o já citado relatório “Mudança do Clima no Brasil” advertiu:

“Considerando um aumento de 2oC na temperatura média global, o país poderá sofrer redução da precipitação anual total, a despeito do aumento de tempestades e de uma probabilidade até quatro vezes maior de ocorrerem secas severas em diversas regiões do país. Espera-se que esse nível de aquecimento global até 2050 leve à redução significativa do fluxo nos principais rios da bacia amazônica, ocasionando dificuldade no acesso à água e alimentos para as populações locais, com impacto significativo na subsistência das comunidades”.

Na Amazônia, essas secas têm se sucedido com crescente gravidade em 2005, 2010, 2015-2016 e 2023-2024, com mortandade de animais e vegetais. Mas as inundações invernais são igualmente crescentes. De 1995 a 2024, houve um aumento de 1.789% nos registros de eventos climáticos na Amazônia, com 1.425 ocorrências em 2024 contra 37 em 1995. Inundações são os eventos mais recorrentes na região, representando cerca de 64% de todos os desastres.xiii

Em 24 de janeiro de 2025, a cidade de São Paulo afogou-se em 121,8 mm de chuva em apenas duas horas (quase 122 litros de água por m2), o que corresponde a 41,7% da média histórica de precipitação de janeiro. A Defesa Civil de Minas Gerais noticiou que 135 dos seus 853 municípios estavam em seca emergencial em agosto de 2024, um número alcançado dois meses antes do que em 2023.xiv Mas em janeiro de 2025, as chuvas causaram 11 mortes em 44 cidades mineiras.xv O Rio Grande do Sul tem sofridos secas reiteradas. Mas em 2024 sofreu inundações catastróficas. Até início de julho de 2024, elas haviam afetado mais de 90% de sua área, atingido quase 2,4 milhões de pessoas e causado mais de 170 mortes humanas, além de incontáveis mortes de outras espécies.  A Bacia do Guaíba recebeu acumulados de chuva superiores a 500 mm em 5 dias, com seu nível subindo 5,35 m, bem acima do da enchente de 1941.xvi É preciso situar o maior desastre ambiental do país no contexto de outros desastres ocorridos desde 2011. As enchentes e deslizamentos de janeiro de 2011 em Teresópolis e em geral na região serrana do Rio de Janeiro, mataram mais de mil pessoas entre mortes certificadas e pessoas desaparecidas, deixaram milhares de desabrigados e foram classificadas pela ONU como o 8º maior deslizamento mundial dos últimos 100 anos.xvii Em 2022, as inundações em Petrópolis (março, 534 mm de chuva em 24 horas) e em Pernambuco (maio-junho) mataram 238 e 133 pessoas, respectivamente.xviii No litoral norte de São Paulo, em fevereiro de 2023, elas deixaram um saldo de 65 mortes confirmadas e o maior acumulado de chuva até então no país:  682 mm em Bertioga e 626 mm em São Sebastião em 24 horas.xix Em suma, a emergência climática, os eventos meteorológicos extremos, as catástrofes provocadas pela Samarco, pela Vale e pela Braskem, a devastação da natureza e a intoxicação dos organismos por agrotóxicos – crimes de ecocídio e de destruição de vidas humanas e não humanas, que têm entre seus motores principais o agronegócio, a mineração e o garimpo – estão precarizando e degradando a sociedade brasileira a uma velocidade sem precedentes em nossa história.

3. Incêndios criminosos

Segundo o Global Forest Watch, as florestas tropicais primárias desapareceram em 2024 no mundo todo à taxa de 18 campos de futebol por minuto. No Brasil, a perda foi de 28,2 mil km2, sendo 67% dela por incêndios, como mostra a Figura 3.

Figura 3 – Perda de floresta primária no Brasil em 2024 em milhões de hectares. Em cada coluna, o segmento inferior (marron) mostra a perda de floresta primária por fogo; o superior, perda por outros fatores. Fonte: Elizabeth Goldman, Sarah Carter, Michelle Sims, “Fires Drove Record-breaking Tropical Forest Loss in 2024“. World Resources Institute, 21 maio 2025.

Em 2024, as queimadas no Brasil se estenderam por mais de 308 mil km2, um aumento de 79% (+136 mil km2) em relação a 2023 e a maior área desde 2019. O MapBiomas precisa que:xx

“Três em cada quatro hectares queimados (73%) foram de vegetação nativa, principalmente em formações florestais, que totalizaram 25% da área queimada no país. Entre as áreas de uso agropecuário, as pastagens se destacam, com 6,7 milhões de hectares queimados [67 mil km2] entre janeiro e dezembro do ano passado” (itálicos acrescidos).

4. Projeções do aquecimento e de seus impactos no Brasil

Cinco relatórios científicos anunciam um futuro tenebroso para o Brasil:

(1) O Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, criado em 2009 pelo MMA e o MCTI, com 345 cientistas, coordenados por Carlos Nobre e Suzana Kahn Ribeiro. Seu primeiro relatório de avaliação nacional (RAN1) foi publicado em 2013, editado por Tercio Ambrizzi e Moacyr Araújo;

(2) O relatório “Brasil 2040. Cenários e alternativas de adaptação à mudança do clima”, publicado em 2015 sob a coordenação de Sérgio Margulis e Natalie Unterstell, com a participação de mais de 30 pesquisadores. O relatório foi desconsiderado pelo governo Dilma.xxi

(3) Carlos A. Nobre, José A. Marengo, Wagner R. Soares, Eduardo Assad, Roberto Schaeffer, Fabio Scarano & Sandra S. Hacon, Riscos de Mudanças Climáticas no Brasil e Limites à Adaptação, março de 2016.

(4) Carlos Nobre, Andrea Encalada (codiretores) et al., Science Panel for the Amazon, 2021, congregando mais de 200 especialistas nacionais e internacionais em diversas áreas socioambientais da Amazônia.

(5) O relatório “Mudança do Clima no Brasil – Síntese Atualizada e Perspectivas para Decisões Estratégicas” (2024), do MCTI, em parceria com o WWF, a Rede Clima e o Instituto Alana.xxii

Além disso, a evolução do aquecimento e de seus impactos no Brasil tem recebido estudos abrangentes de parte de cientistas e de instituições nacionais, como o Inmet, o Inpe, o MMA, o Cemaden, o MapBiomas (Observatório do Clima), entre outros. Eis o denominador comum desses estudos e relatórios: a inviabilização socioambiental do Brasil está cada vez mais, próxima. O estudo de 2016, acima citado, foi reelaborado em 2019 em um livro intitulado Climate Change Risks in Brazil. A primeira frase de seu Prefácio resume bem seu conteúdo: “Num cenário de altas emissões de gases de efeito estufa, o país tem alta probabilidade (acima de 70%) de aquecimentos maiores do que 4 oC antes do fim do século”.xxiii A Figura 4 mostra quatro cenários futuros de aquecimento no Brasil.

Figura 4 – Séries temporais de mudanças na temperatura média anual próxima da superfície (em oC) entre 1861 e 2300 em relação ao período pré-industrial (1861-1890) para o Brasil. As duas linhas pontilhadas verticais separam o aquecimento observado até 2005 e as projeções segundo quatro cenários até 2100 e até 2300. Fonte: Carlos A. Nobre, José A. Marengo, Wagner R. Soares (org.), Climate Change Risks in Brazil, Springer, 2019.

Essa Figura suscita quatro observações:

(1) Em primeiro lugar, é preciso entender bem seu vocabulário. Os quatro cenários descritos, adotados pelo IPCC, correspondem a quatro níveis de emissões de GEE e, portanto, de concentrações de GEE (ou CO2–equivalente, ou CO2e) em 2100, mensuradas em partes por milhão (ppm). Cada um desses cenários simula a evolução do forçamento radiativo, ou seja, o superávit de energia incidente do sol em 2100, em relação à energia dissipada pelo sistema Terra em Watts por m2 (W/m2, medido no topo da atmosfera). Essas diversas trajetórias são chamadas Trajetórias de Concentrações Representativas (de forçamento radiativo) (Representative Concentration Pathways ou RCP). A cada uma dessas trajetórias de forçamento radiativo corresponde uma dada concentração atmosférica de GEE em 2100. A Tabela 1 mostra essas equivalências, implicando diversos níveis de aquecimento médio no Brasil em 2100.

(2) Como mostra a Tabela 1, a trajetória RCP 8,5 W/m2 equivale a uma concentração atmosférica de cerca de 1.370 partes por milhão (ppm) de CO2e em 2100. Segundo o Global Monitoring Laboratory do NOAA, em 2023 essas concentrações atingiram 534 ppm (dos quais 419 ppm de CO2) e estão aumentando cada vez mais rapidamente. Entre 1994 e 2003, elas aumentaram 26 ppm; entre 2004 e 2013, 28 ppm; de 2014 a 2023, 36 ppm, e desde 2017, elas vêm aumentando 4 ppm todos os anos. Observa-se assim um salto de 2,6 ppm para 4 ppm em média por ano entre a década 1994-2003 e o quinquênio 2019-2023. A grande questão hoje para todos os brasileiros é a seguinte: essas concentrações podem atingir 1.370 ppm de CO2e em 2100? A resposta é SIM! Em primeiro lugar, obviamente, por causa do aumento da queima de combustíveis fósseis e da destruição das florestas, fatores diretamente antropogênicos. Em segundo lugar, por causa da ação crescente de diversas alças de retroalimentação no sistema Terra. Para o Brasil, a mais importante dessas alças é a decrescente capacidade de sequestro de CO2 pela fotossíntese das plantas, sob o efeito da degradação florestal, dos incêndios e do próprio aquecimento. “Em espécies tropicais, a fotossíntese começa a declinar por volta de 31°C. A 47°C, o maquinário fotossintético começa a ser permanentemente danificado”.xxiv James e Samuel Curran mostraram que “a taxa de sequestro natural de CO2 da atmosfera pela biosfera terrestre atingiu o pico em 2008. As concentrações atmosféricas aumentarão mais rapidamente do que antes, proporcionalmente às emissões anuais de CO2, já que esse sequestro natural está diminuindo em 0,25% ao ano”.xxv Além disso, diversos trabalhos científicos mostram crescente probabilidade de cruzamento iminente de pontos de não retorno (tipping points) na Amazônia e em outros biomas brasileiros. Cruzados esses pontos, a liberação de carbono por esses biomas tornará extremamente difícil, ou mesmo impossível, refrear o aquecimento e a perda de biodiversidade.xxvi

(3) A aceleração do aquecimento se evidencia também na trajetória de aumento dos forçamentos radiativos. Segundo o NOAA (AGGI),xxvii em 1979, o forçamento radiativo do planeta (o superávit de energia incidente do sol em relação à energia dissipada pelo sistema Terra, medido no topo da atmosfera) era de 1,79 Watts por m2 (W/m2). Em 2023, ele saltou para 3,48 W/m2, ou seja, um aumento de 94% em 44 anos. Mantida a atual trajetória, o forçamento radiativo do planeta até meados dos anos 2070 será de 6,92 W/m2. Ele pode, portanto, atingir 8,5 W/m2 em 2100. A aceleração em ambos os processos correlacionados – as concentrações atmosféricas de CO2e e o forçamento radiativo do planeta – mostram ser provável que o aquecimento no Brasil em 2100 seja da ordem de 6oC.

(4) A Figura 4 mostra que, em qualquer dos quatro cenários, o Brasil atinge um aquecimento médio de 2 C até 2030, em relação ao período 1861-1890. Em termos globais, esse aquecimento é previsto para o final dos anos 2030 ou nos anos 2040. O aquecimento médio no Brasil está se antecipando, portanto, em ao menos 10 anos em relação ao aquecimento médio global.

Em suma, mantido o cenário RCP 8,5 W/m2, que o PL da devastação agora aprovado pelo Congresso consolida, aquecimentos médios de 3oC, 4oC e 5oC são atingidos no Brasil por volta de 2050, 2070 e 2100, respectivamente. Yangyang Xu & Veerabhadran Ramanathan, entre muitos outros, consideram um aquecimento médio de 3oC como catastrófico e um aquecimento de 5oC a 6oC como: “desconhecido, acima de catastrófico, implicando ameaças existenciais”.xxviii

4. Conclusão

Se não houver mudança radical na composição de nosso Congresso em 2026, a data de validade da sociedade brasileira esgota-se em meados ou no terceiro quarto do século. Isso não é uma hipótese, é uma certeza, pois em um aquecimento médio de 4oC, regiões inteiras do país tornam-se inabitáveis. Mesmo num cenário otimista (RCP 4,5 W/m2), a Amazônia sofrerá até 2100 entre 250 e 365 dias por ano com temperaturas acima do limiar de letalidade (temperatura combinada com a umidade relativa do ar).xxix Carlos Nobre afirma que, no cenário 4oC, “toda a região equatorial se torna inabitável”. Salvador, por exemplo, afirma ele, torna-se inabitável durante mais de 200 dias por ano.xxx 

A subserviência do poder executivo ao agronegócio deve dar lugar à defesa do povo brasileiro, não apenas pelo veto presidencial, mas sobretudo pela convocação da sociedade a reagir a um Congresso nacional que representa apenas interesses espúrios. Caso contrário, o governo se tornará cúmplice dessa licença para matar. A renúncia fiscal de R$ 158 bilhões em benefício do agronegócio (dados do ministro Fernando Haddad), um Plano Safra de R$ 516 bilhões, destinado sobretudo aos grandes proprietários, a liberação recorde de agrotóxicos,xxxi a insuficiente repressão aos incêndios florestais criminosos, bem como o negacionismo de Lula em relação mais exploração de petróleo, tudo isso mostra uma trágica incompreensão do que está em jogo: a sobrevivência de nossa sociedade. O país biologicamente mais rico do mundo é extremamente vulnerável à emergência climática e está em vias de se tornar inóspito à vida, com crescente mortandade de organismos humanos e não humanos por picos de calor, desastres ambientais, escassez hídrica, elevação do nível do mar, poluição químico-industrial e, provavelmente, novas epidemias. O ecocídio em curso no Brasil é também um genocídio do povo brasileiro. Isso porque muitos esquecem (e é importante repetir) o fato mais importante de todos: um território é um amálgama de sua diversidade civilizacional, biológica e climática e nenhuma sociedade tem chance de sobreviver sem a base geofísica e biológica que favorece sua permanência.

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Câmara aprova novas regras para licenciamento ambiental

Ana Catarina Lima

A Câmara dos Deputados aprovou na madrugada desta quinta-feira (17), com 267 votos a favor e 116 contrários, o Projeto de Lei 2.159/2021, já aprovado pelo Senado Federal, que altera as regras de licenciamento ambiental. O relator da matéria na Câmara, deputado Zé Vitor (PL-MG), que também é coordenador Político da FPA na Casa, destacou que seu relatório estabeleceu regras claras e objetivas para o licenciamento ambiental.

A Câmara dos Deputados aprovou na madrugada desta quinta-feira (17), com 267 votos a favor e 116 contrários, o Projeto de Lei 2.159/2021, já aprovado pelo Senado Federal, que altera as regras de licenciamento ambiental. O relator da matéria na Câmara, deputado Zé Vitor (PL-MG), que também é coordenador Político da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) na Casa, destacou que seu relatório estabeleceu regras claras e objetivas para o licenciamento ambiental. 

“O que nós estamos propondo é uma atualização, uma racionalização dos processos de licenciamento ambiental. Não há um ponto sequer que fale de afrouxamento ou flexibilização nas normas ambientais no país. Isso aqui dá garantias ao Brasil, dá garantias ao meio ambiente, dá garantias aos empreendedores. O que não há espaço é para a burocracia e para questões ideológicas e subjetivas”, explicou o relator. 

 As novas regras estabelecem a criação da Licença Ambiental Especial (LAE), que autoriza obras classificadas como “estratégicas” pelo governo, mesmo que tenham algum potencial de degradação, e a criação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que se trata do licenciamento ambiental simplificado.  

O texto aprovado na Câmara prevê, ainda, que para autorização de licenciamento de projetos com impacto direto em áreas sensíveis, como terras indígenas, quilombolas, unidades de conservação e patrimônio histórico seja necessária a manifestação técnica dos órgãos competentes. 

Outro ponto aprovado é que o corte de vegetação da Mata Atlântica deixa de ser responsabilidade Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e passa a ser atribuição de órgãos estaduais e municipais.

Mineração

Para o deputado Alfredo Gaspar (União–AL), no caso de licenciamentos para mineração será necessária uma lei específica.

“Nós temos Mariana, nós temos Brumadinho, nós temos Maceió. Precisamos de lei específica. Não é possível que seja uma licença por acordo, por adesão, por compromisso, concedida a uma mineradora. A lei do licenciamento ambiental tem grandes avanços, mas também tem caminhos tortuosos como esse”, disse o parlamentar. 

Quanto à mineração de grande porte e/ou alto risco não serão mais observadas as normas do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) até norma específica tratar do tema.

Levantamento

Alguns dos principais problemas do licenciamento ambiental no Brasil, de acordo com levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) são:

•    excesso de procedimentos burocráticos e superposição de competências
•    falta de clareza de procedimentos e atuação discricionária dos agentes licenciadores
•    insegurança jurídica, até mesmo após a obtenção da Licença Ambiental


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Desastres: prejuízo acumulado em 12 anos soma R$ 732 bilhões

Lívia Braz

Mais de R$ 732 bilhões. Esse foi o valor gasto pelo Brasil em pouco mais de uma década por conta de desastres naturais ocorridos entre 2013 e 2024. Os números foram divulgados pelo estudo "Panorama dos Desastres no Brasil – 2013 a 2024", elaborado pela Confederação Nacional de Municípios (CNM). O levantamento revela que 5.279 municípios — cerca de 94% do total no país — decretaram situação de emergência ou estado de calamidade pública nesse período, totalizando 70.361 registros.


Mais de R$ 732 bilhões. Esse foi o valor gasto pelo Brasil em pouco mais de uma década por conta de desastres naturais ocorridos entre 2013 e 2024. Os números foram divulgados pelo estudo "Panorama dos Desastres no Brasil – 2013 a 2024", elaborado pela Confederação Nacional de Municípios (CNM). O levantamento revela que 5.279 municípios — cerca de 94% do total no país — decretaram situação de emergência ou estado de calamidade pública nesse período, totalizando 70.361 registros.

Impactos humanos e sociais

Durante os 12 anos analisados, os desastres afetaram mais de 418 milhões de pessoas, número que supera a população brasileira atual, indicando que muitos cidadãos foram impactados mais de uma vez. O relatório contabiliza 2.978 mortes diretamente relacionadas a esses eventos, além de mais de 6 milhões de pessoas que precisaram deixar suas residências, sendo 1 milhão desabrigadas e 5,1 milhões desalojadas.

Principais causas e regiões mais afetadas

A seca e a estiagem foram responsáveis por 27.900 registros, seguidos por problemas decorrentes do excesso de chuvas, com 20.400 decretos. Juntos, esses fenômenos motivaram 48.400 pedidos de apoio ao governo federal, representando 68,9% dos decretos emitidos no período.

A Região Sul lidera em prejuízos econômicos, concentrando 37,5% das perdas, especialmente nos setores de infraestrutura pública, agricultura, pecuária e habitação. O Nordeste aparece em seguida, com 35,5% dos prejuízos, seguido pelo Sudeste (16,3%), Centro-Oeste (7,9%) e Norte (2,8%).

Setores econômicos mais impactados

A agricultura e a pecuária foram os setores mais afetados, acumulando perdas de R$ 325,6 bilhões e R$ 94,4 bilhões, respectivamente. Outros setores também sofreram impactos significativos: instalações públicas de saúde (R$ 86 bilhões), abastecimento de água potável (R$ 61,2 bilhões), habitação (R$ 43,4 bilhões), obras de infraestrutura (R$ 42,4 bilhões), sistema de transporte (R$ 23,3 bilhões) e indústria (R$ 9,5 bilhões).

Investimentos em prevenção e gestão de riscos

Apesar da magnitude dos prejuízos, o estudo destaca que, dos R$ 13,4 bilhões previstos para ações de gestão de riscos e prevenção de desastres no período analisado, apenas R$ 5,3 bilhões foram efetivamente repassados aos municípios, o que corresponde a 39,8% do total autorizado.

O presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, enfatiza a necessidade urgente de ações integradas de prevenção e gestão de riscos, alertando que os municípios não conseguem enfrentar sozinhos os desafios impostos pelos desastres naturais.

O levantamento reforça a importância de políticas públicas eficazes e investimentos consistentes em prevenção para mitigar os impactos dos desastres naturais e proteger as populações mais vulneráveis.

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